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domingo, 24 de março de 2013

As palavras querem sair

Elas querem sair. Me sento, me levanto, caminho entre os cômodos da casa. Olho em torno, vejo as paredes brancas, as portas abertas, as janelas da rua. E as palavras querem sair de mim. Como se estivessem engasgadas aqui dentro por tempo demais, como se lutassem por entre minhas cordas vocais, se espremendo para ganharem liberdade, elas sobem como um vomito necessário. Sobem e querem sair de mim, deixar minhas entranhas, deixar minha boca e saltar língua a fora.

Mas não sei dizer que palavras são essas ou se apenas me recuso com veemência a olhá-las. São poderosas, querem ribombar como um trovão, marcar o início do controle próprio das rédeas de minha vida. São palavras de libertação, gritos contra o desespero e contra a angústia, contra o medo em si. Palavras que sequer pretendem formar frases com sentido ou serem compreendidas por quaisquer outras formas de vida. Não, elas querem me acertar com seus punhos verbais, enfiando em mim o bom senso de que tanto preciso para lidar com os meus problemas mais recorrentes. Elas querem derrubar meus óculos e me fazerem ver o mundo como ele é pela primeira vez. Querem romper as paredes, fazer ruir todo o meu castelo e me colocar em meio à balbúrdia que é viver em um mundo como o nosso.

Porque elas sabem que sou capaz de sobreviver a isso. Elas sabem e querem sair. Não querem sair como palavras, aquelas que irão se propagar pelo ar e sumir em seguida. Elas querem sair e tomar novas formas, modificar o que conheço de mim e das outras pessoas. Querem virar estímulo, ação, atitude. Querem romper todo limite que impus a mim mesmo em todos esses anos de existência.

Engasgo, passo mal, rolo na cama e espero passar. E não passa, a sensação cresce, ao passo em que não sei se posso ou se devo realmente gritar para o mundo o que quero gritar. Penso no tanto que quis fazer e não fiz, ou no tanto que fiz e nunca mostrei a ninguém. Tudo que é meu e que é belo, mas que por ser meu perdeu o valor de beleza para mim. As palavras querem sair. Elas vem saindo, como um parto feito às pressas, como o nascimento de um novo ser que já veio velho ao mundo. Não consigo segurá-las! Mas não é que eu queira mesmo segurá-las - quero vê-las jorrar pelo universo!

A razão não é mais parede forte para deixá-las reprimidas - emoção é tudo que sou, tudo que consigo ser. E deixo jorrar, jorrar, jorrar palavras. Todo meu vocabulário escapando de minha garganta até não haver mais voz no meu corpo. Jorram luz e escuridão, jorra o que é preciso para se viver nessa vida. Me torno um ponto brilhante no mundo, um novo foco atuante, uma nova possibilidade divina. As palavras saíram de mim.

Saíram para anunciar o começo da época da coragem. Saíram para desmascarar o culpado, para afagar o inocente. Saíram para que eu soubesse que, contra todas as possibilidades, ainda estou vivo.

E eu, agora oco e sem mais palavras, me posiciono na largada.

Porque a corrida para minha vida vai começar.

quarta-feira, 13 de março de 2013

Admito: sozinho não dá


Até onde se estende a minha incapacidade de me colocar à prova? Me sinto sempre acorrentado à minha imperfeição inata, aquela da qual jamais conseguirei me livrar, na qual eu gasto esforços enormes e infrutíferos - tudo para, um dia, ter coragem e experimentar. O que? A vida, o que as pessoas normais experimentam o tempo todo. O amor, aquele que vem de todo tipo, tamanho, cor e forma; aquele que tem traços únicos e surge de uma troca de olhar, de um movimento corajoso, de uma atitude. Mas, com uma consciência quase palpável de que não há como eu ser amado por muito tempo por alguém, pelo medo de fazer tudo dar errado, bem, eu não vou a lugar algum.

Os anos se passaram e eu já não sou mais o mesmo que escreveu sobre o pontinho vermelho em sua busca sem fim. Meus passos se tornaram mais firmes, sou mais dono de mim sem querer ser dono do que eu faço. Porque foi o que descobri: quanto mais tento controlar as coisas, mais elas fogem ao meu controle. E só eu sei como sou controlador, como sinto que preciso disso para viver em paz, mesmo que seja uma paz vigiada  e à beira de inúmeros conflitos. Agora tento me atirar aos conflitos e tirar deles o que conseguir, com o alcance que minhas mãos tem nesse momento de minha vida. Mas mudam os gestos, mudam os pensamentos, renovam-se os hábitos, só que essa parte de mim permanece a mesma.

Sou o maior covarde que conheço em relação ao amor. Fui capaz de permanecer afastado disso por muito mais de um ano apenas por não procurar uma forma de tentar reencontrá-lo - permaneci o tempo todo em minha zona de conforto, desconfortavelmente engasgado com a minha solidão. Caramba, por que precisa ser tão difícil e complicado para mim? Por que não consigo simplesmente tentar? A sensação que vem das tentativas sempre me desencorajam, me esfregando na cara a real falta de controle que é a realidade. E isso me faz pensar: estarei eu então vivendo uma falsa sensação de que realmente mudei, melhorei?

Seria mais fácil se eu não acordasse ou fosse dormir pensando sobre isso. Muito melhor se eu não olhasse para as pessoas a rua e depois fugisse delas. Se eu não possuísse a parede mais alta e não me colocasse fora do alcance de qualquer um... aí talvez eu tivesse uma chance. Porém não me sinto pronto, ou confortável. Me sinto... errado. Fora de lugar. Incapaz de fazer o que todo mundo consegue fazer. Não há um "final feliz" em minha história. Não há continuidade além da minha própria pele, que irá ganhar rugas com o passar dos anos.

Porque eu não quero enfrentar esse medo. Não sinto que consigo sozinho. Sei que preciso se realmente quiser resultados, mas simplesmente não consigo. É o pior de todos. É imperioso, sempre me abate como faz uma raposa a uma lebre indefesa. E é assim que me sinto.

Então talvez eu precise sempre tentar explicar isso para alguém, mesmo que nunca consiga pronunciar qualquer palavra convincente. E recebo olhares que comunicam sempre "você não consegue porque não quer". Serei feio demais? Estranho demais? Tenho as qualificações para viver romances? Aquela voz perfeccionista que me persegue desde a infância me responde prontamente um "NÃO!" quando estou prestes a me arriscar.

Um dia quero conseguir. Ainda não consigo, ainda nem consigo querer conseguir. É um entrave que segura toda a minha vida, um romantismo que envenena meu humor e meus objetivos mais reais, mais simples e necessários.

Sigo sozinho, mergulhado no mar cinzento. Não me importa mais a cor que emano, passo aos poucos a refletir as cores que se amontoam ao meu redor. Um dia, quem sabe, acordo e me descubro apaixonado por mim mesmo e assim não precisarei de mais ninguém.