Páginas

sábado, 29 de setembro de 2018

No meio do caminho tinha uma Mirela

Tinha uma Mirela no meio do caminho.

Tudo começou como o começo muitas vezes pode ser: inseguro, indistinto, incerto, infinito em suas possibilidades. Então vieram as pequenas explosões, os desconfortos compartilhados, o momento em que as rachaduras começaram a se criar. O que se fazer quando não se sabe o que fazer nesses momentos? O que dizer quando não se sabe ainda que palavras existem para conduzir um rio de águas correntes para uma direção distinta? Isso sequer é possível?

Então as pequenas explosões se acumularam. Cresceram de dentro para fora com as experiências vividas, com os não ditos acumulados, com os tantos braços que o rio abriu com sua força inexorável de imprevisibilidade. Até um grande bum! E estava feito. Rompeu-se, quebrou-se e já não se havia mais vontade de remendar.

E tinha uma Mirela no meio no caminho.

O rio correu para o mar. As águas do tempo passaram, trazendo com elas todos os tipos de oportunidades, de novidades, de dores e novas dificuldades. As cicatrizes permaneciam ali, para sempre cutucadas, para sempre incapazes de serem totalmente curadas. E, em meio aos puxões de duas forças contrárias, um coração se permitiu ser dilacerado centenas de vezes.

E ali, bem no meio dele, tinha uma Mirela.

Nada é mais importante do que essa Mirela. Então por que ela fez os outro acreditarem que poderiam sê-lo?

Nada é mais forte do que essa Mirela. Então por que ela abaixou a sua cabeça, ofereceu o lombo e carregou os pedregulhos da explosão como se lhe pertencessem?

Nada é maior do que essa Mirela. Então por que ela se faz tão e tão pequena?

Não puxei o gatilho. Não dei o primeiro passo. Não construí relações que não são minhas. Não invadi a mente das pessoas e as convenci a serem o que são e a escolherem o que escolhem. Então por que estou pagando por isso se a culpa não me pertence?

É porque me fazem passar por isso? Ou é porque eu mesma que escolhi? Como se escolhe não viver e reviver esse mesmo papel?

Tudo que queria era ter paz. Um relacionamento em paz. Uma amizade em paz. Sonhar com essa possibilidade me alimentou a alma por anos. E todas as tentativas me levaram à frustração de ser incapaz de controlar as águas, as explosões e o curso das coisas.

No meio do caminho tem uma Mirela e às vezes parece que ninguém liga para isso. "Nossos medos, nossas dúvidas e nossos orgulhos são deveras importantes. Que ela permaneça onde está, onde escolheu estar".

---

Através do sofrimento pude olhar para dentro de mim mesma num nível muito profundo, bem naquela parte aonde habitam a minha vergonha, o meu medo, a minha necessidade de controlar tudo. Estou criada pelo medo, mas sou filha do desejo. Para além de tudo que me deixa sem ação, para além da possibilidade de ser rejeitada, de não ser reconhecida, de não ser boa o suficiente, existe um imenso desejo de ser eu mesma!

Eu simplesmente não sei o que fazer, o que falar, como me mostrar, que outras ferramentas utilizar para passar a minha verdade. Não tenho a prática de traduzi-la para ninguém em momentos de crise, aqueles que exigem mais de nós, que nos desnudam e testam tudo que achamos que conhecemos da vida. Repito hábitos, me prendo a um ciclo de ser culpada o tempo todo, como se a única forma de permanecer na vida das pessoas fosse sendo o que elas esperam que eu seja, mesmo que com alguma folga para ser um pouco de quem eu sou.

Onde está minha coragem? Só surge quando há sabedoria? Só vem à tona quando eu sei o que fazer?

Estou perdida, mas tenho uma família, amigos e um parceiro que me amam. Não sei o que fazer, mas tenho um lar, um emprego, meios para me encontrar. Estou sozinha, mas na melhor companhia.

Então preciso aceitar esse momento como ele é. Preciso aceitar meu coração como ele está. Preciso me ver, me sentir, me enxergar. Sozinha, sem o aval de ninguém. Sozinha, eu mesma, Mirela.

Estou cansada de ouvir conselhos. Estou cansada de abaixar a cabeça para tudo que querem me dizer, para toda a cobrança que estou acostumada a receber, a tudo que eu crio em mim mesma e projeto para receber como eco dos outros. Estou cansada de ser a vítima subserviente, a heroína que se sacrifica, aquela que sente que não pode fazer escolhas por conta própria.

Tem um caminho, mas nele não tem uma Mirela.

Porque ele é ela. E Mirela é o caminho.