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quinta-feira, 27 de junho de 2013

A Encruzilhada - "Dois, três, cinco, seis"

Estava numa encruzilhada. Passara por caudalosos rios de lava, poços venenosos e por sombras de memórias assombrosas que havia ignorado por toda a sua vida para chegar justamente àquele local, onde o caminho parecia finalmente começar. Viam-se placas espalhadas para todos os lados, cada uma apontando numa direção aleatória, com palavras pouco esclarecedoras sobre o que viria depois delas além do próprio futuro. E era para o futuro que ele acabaria seguindo, de um jeito ou de outro.

O sol faiscava lá no alto num céu de nuvens finas e transparentes, num dia quente, mas não daqueles que nos fazem ficar muito suados ou incomodados. Era um calor constante, que o fazia lembrar da realidade de sua existência, por vezes tão efêmera, mas não o levava a procurar por uma sombra para se proteger. Não naquele momento, ao menos, em que os caminhos se abriam e se costuravam feito malhas trançadas em frente ao seus olhos, descrevendo curvas complexas uns sobre os outros, meio que para dizer que mesmo sendo diferentes poderiam acabar levando a destinos similares.

E lá estava ele, tendo de tomar uma decisão. Nunca fora realmente bom nisso, talvez pelo seu signo astral, talvez por sua natureza própria. Costumava se deixar levar pelo mundo e fazê-lo decidir em seu lugar, quando já não havia mais jeito. Perdera a conta das vezes em que só entrara em ação quando não tinha mais tempo, quando não podia parar para pensar e escolher com cuidado. Porque escolher significava, ao mesmo tempo, aceitar uma coisa e negar outra. É sempre assim, não se pode ter tudo. Mas isso sempre foi algo muito difícil para o menino aceitar.

Era um menino desajeitado, todo torto, todo errado, mas cheio de curiosidade. Tinha um constante ar de mistério, um olhar escorregadio, de quem escondia mais do que falava. Caminhava timidamente, como se duvidasse do direito que possuía de dar cada novo passo - e talvez andasse para trás caso lhe dissessem que não o tinha, que estava errado. Seu medo de errar era seu pior defeito, o fazia querer esticar seu pescoço para alcançar a visão das aves para assistir a vida de cima e estudá-la, porém sem nunca realmente participar dela.

E mesmo sendo esse menino, lá estava ele. Era um momento divino e igualmente aterrador aquele, o de tomar a decisão e arcar com as consequências dela. Como medida de segurança, tentara enviar cartas para alguns dos caminhos, aguardando respostas que lhe esclareceriam mais sobre o que deveria fazer. Mesmo que fosse apenas um subterfúgio para adiar a sua responsabilidade sobre si mesmo, ele não se importava. Estava sendo como poderia ser, fazendo o que poderia fazer, tudo em seu próprio tempo, contrariando o tempo do mundo.

E aguardava as respostas... Umas vieram, outras demoraram. E ele ainda esperava. Talvez tivesse muito mais medo do "sim" do que do "não" - o segundo encerrava o assunto e lhe libertava, ainda que tristemente, mas o primeiro era uma promessa de futuro incerto e cheio de armadilhas para suas fraquezas. Só que, novamente, não podia mais estar no controle, com a cabeça lá no alto. Precisava e gostaria de errar.

Mas até quando poderia esperar? Até quando merecia adiar a sua escolha? Mesmo que ninguém lhe respondesse, ele sabia a resposta dentro de si. O momento estava chegando, não por uma força da natureza que vinha de fora como já lhe acontecera, mas como uma força emocional que brotava de sua vontade. Não é que não pudesse mais esperar, é que ele já não queria mais tanto assim. A carta não vinha, talvez nunca viesse, mesmo que a tivesse enviado corajosamente. Não estava em seu poder fazê-la ser respondida. Outros caminhos, igualmente incertos e especiais se estendiam adiante, ele sabia disso, e tudo que queria era poder seguir por um deles sem sentir culpa por ter deixado o outro para trás.

Talvez o tempo não fosse aquele, talvez adiante achasse um atalho que o levasse de volta para aquele caminho sem resposta. Mas ele não podia viver contando com isso, não mais. Não para viver pela metade, pois é muito mais difícil trilhar uma estrada quando se anda sobre um pé só. Respirou fundo e decidiu arriscar: deu o primeiro passo. As placas tremeram com o vento, como se ele cantasse ao soprar por entre suas superfícies metálicas e brilhantes contra o sol. E de repente o silêncio absoluto, ansioso pelo som do próximo pé sobre o próximo pedaço de chão. E aquela indecisão, e aquela indecisão.

Mais um passo. Dois, três, cinco, seis. O caminho se abria conforme se aproximava, formando uma estrada cada vez mais larga, como que se dilatando para aceitar a responsabilidade de recebê-lo. Os demais, contudo, sumiam de vista, transformando-se em vultos indistintos, nem distantes e nem próximos, mas presentes até aquele momento. Voltar para começar de novo era sempre uma opção, disso o menino sabia. E mesmo que a sua vida dependesse daquela escolha, bem, a sua vida não dependia exatamente daquela escolha, sabem. Ela era muito maior do que aquele simples momento, que o levaria a outras encruzilhadas do destino. Ela era infinita em sua finitude, se estendia para além de qualquer estrada ou horizonte.

E foi pensando nisso que ele decidiu ir em frente, sorrindo consigo mesmo e só podendo esperar pelo melhor. Queria rir quando quisesse rir ou chorar quando fosse necessário. E sabia que, independente de para onde aquele caminho o levasse, ele finalmente poderia se sentir como não se sentira antes: vivo.

As dúvidas não se calaram, os medos não adormeceram. A dor não cedeu, nem o rancor morreu. Mas tudo era uma música que lhe soava aos ouvidos como uma trilha sonora perfeita de sua história. E a alegria era o sol, brilhando com uma esperança implacável sobre sua cabeça.

Por aquele e por muitos e muitos outros dias...