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quarta-feira, 17 de abril de 2013

Um Lugar Desperdiçado

O veneno que corre em minhas veias a cada dia ameaça parar meu coração. Ele corre e se espalha por entre cada célula, lançando gritos de terror, de paranoia, de incompreensão. Inunda meus olhos, turva minha percepção, me faz querer correr quando mal consigo levantar as pernas. Me faz ver cada um na rua como meu inimigo em potencial, como se estivessem prestes a me fazer algum mal. Como se eu merecesse esse mal, como se eu devesse esperar por ele o tempo inteiro e estar preparado. Mas por que?

Suas gotas não são negras ou esverdeadas - ele circula na cor do meu sangue, completamente disfarçado. Faz firulas e não pára exatamente em um lugar. Às vezes parece se esconder em minhas mãos, deixando-as trêmulas e desajeitadas; ou em minhas pernas, provocando os tão conhecidos escorregões e pequenos acidentes. E é nesse meio tempo que eu acredito que posso ser uma alma livre, me dedicar a encontrar algo de que gosto e me divertir, sentir o tempo e o vento passarem por mim como se não fossem grande coisa. Mas logo ele sobe direto para a minha cabeça e jorra seus jatos pungentes em meu cérebro, me infectando com as verdades obscuras que carrego desde que me entendo por gente.

Aí me pego querendo saber quem me injetou esse veneno. Foram meus pais? Por seus erros em suas tentativas para criar essa criança estranha, silenciosa, muito auto-crítica e nada auto-confiante? Porque, como vejo hoje e como os conheço, eles não poderiam ter feito melhor. Não naquela época, não com aquelas cabeças. E, mesmo assim, eles fizeram e fazem sempre o melhor que podem. Então como dizer que o veneno veio deles?

Então, veio das outras pessoas que me cercavam? Não me sentia à vontade ou seguro em lugar algum, jamais poderia abaixar minha guarda para deixar ninguém, ninguém se aproximar. Como se pudessem descobrir o motivo pelo qual eu não deveria existir nesse mundo e mandassem me apagar por completo. Como se eu já soubesse em meu interior que não deveria estar entre essas pessoas, causando-lhes pequenos problemas, lançando gritos sufocados de socorro que quase nunca eram ouvidos e assumiam a forma de atitudes estranhas, súbitas e de difícil compreensão.

Quando paro para pensar, vejo duas fortes vontades lutando dentro de mim: a vontade de sumir, de virar vapor, de assumir a forma ideal para uma pessoa que sente que não deveria existir, de deixar esse tal segredo tenebroso - que até eu desconheço - vir a tona e acabar com toda e qualquer relação possivelmente positiva que eu possua; e a vontade de viver, de continuar existindo. Não sei dizer exatamente porque quero continuar existindo, talvez esteja apenas acostumado a existir e não queira abrir mão disso. Mas existir dói demais, cansa demais, não sei se isso é para mim.

Falando assim, poderia soar como se eu tivesse alguma doença sem cura, ou fosse maltratado todos os dias, ou como se minha vida estivesse qualquer coisa próxima às daquelas pessoas que nem sabem se terão o que comer amanhã. Só que mesmo tendo casa, comida, roupas, algum dinheiro, conforto, família  - tudo que deveria fazer uma pessoa se sentir, no mínimo, satisfeita -, me sinto infeliz. E não é culpa de mais ninguém além de mim mesmo. E saber do tamanho ínfimo que tem os meu problemas se for comparar com, sei lá, os sem teto ou os jovens que são forçados a entrar para o tráfico, isso realmente só me deixa pior comigo mesmo. Porque é algo que eu não deveria sentir, que as pessoas que eu conheço não parecem sentir. Mas sinto mesmo assim.

Esse veneno fui eu quem injetou. Comecei desde cedo, me sentindo forçado pelas situações, pelas pessoas, sem nunca decidir tomar um caminho diferente. Fui viciando nele. Me tornei oco, obsoleto, disforme e fraco. Cresci em tamanho e só aumentei a minha superfície, mas guardei bem fundo todas as explosões que aconteciam a todo o momento. Porque eu sempre estive e estou com tanto medo...

E venho resolver isso através de um texto, cuspindo palavras escolhidas com cuidado para que tentem passar o real significado da dor que esse veneno provoca. Talvez esperando por palavras milagrosas, por um apoio sobrenatural de alguém que o drene para fora de mim. Esperando de alguém a responsabilidade que deve ser só minha. Hoje, pela primeira vez, pensei em me machucar de verdade, como se isso fosse resolver alguma coisa, e isso realmente me preocupa. Jamais farei nada contra minha vida, porque nem meus pais e nem meus amigos merecem isso. Mas viver como eu vivo... não sei se é viver de verdade.

Melhor engasgar, contudo, do que jogar veneno contra os outros. Porque, diferente de mim, eles tem uma vida para viver, uma vida preciosa e cheia de problemas diversos, que demandam atenção. Não gosto de ser um buraco negro que suga a luz alheia, especialmente quando sou rodeado por tantos seres luminosos. Gostaria de brilhar um dia também, mas nem dessa luz eu me sinto digno em alguns momentos.

Que coisa maluca, acreditar com tanta veemência que não mereço ser feliz. Quase como saber disso, como se a cada curva da vida essa informação me fosse ensinada e reafirmada. Talvez outra vida em meu lugar se saísse infinitamente melhor e tivesse mais coragem para se entregar aos seus desejos e fazer de sua própria felicidade seu foco central. Mas essa vida não sou eu... Ainda, pelo menos. A negatividade brota de minha alma como ervas daninhas e fungos maliciosos, ansiosos por devorarem uma floresta que teria solo, luz e água para crescer e brilhar ao sol.

É como um lugar desperdiçado.