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segunda-feira, 23 de julho de 2012

O Choque Divino


Venho escrever para mim mesmo e já me deparo duas sérias características que tendem a me fazer querer jogar tudo para cima: a ansiedade e a indecisão. A primeira me ataca com um milhão de ideias legais que provavelmente tentarei escrever aqui, só que com a vontade de cuspí-las todas ao mesmo tempo; a segunda vai ainda além, ao ponto de me congelar completamente com a dúvida "como devo começar isso?".

Sendo um ser perfeccionista, visualizo previamente toda a grandeza potencial no que decido fazer e espero criar algo que esteja plenamente de acordo com ela, nada menos. O problema das coisas perfeitas, porém, além de sua virtual inexistência, está no fato de já serem concebidas prontas, suficientes. Se é assim, como raios vou começar uma coisa, trabalhar nela até eliminar todos seus buracos de imperfeições e deixá-la perfeita? Entender que esse caminho simplesmente não existe é um dos meus maiores desafios, porque essa mesma dúvida funciona como uma pedra gigante repousada logo no início de qualquer estrada que resolvo tomar para realizar alguma coisa.

Tenho medo de começar novos jogos, veja só. Minha constante preocupação em absorver toda e cada informação que eles me passam muitas vezes transformou momentos que deveriam ser bons em fadiga extrema e desatenção. Quero terminá-los com uma medalha de ouro, e os mais marcantes e divertidos são aqueles em que resolvo simplesmente deixar isso de lado para aproveitá-los como puder, sem exigências. Falo disso porque esse é um comportamento obsessivo que repito em todos os aspectos de minha vida. E não falo de lutar com unhas e dentes para fazer algo perfeito, o que talvez viesse a ser até uma atitude louvável. Falo de me assustar com a realidade de que jamais serei capaz de realizar algo assim e deixar essa verdade exercer tamanho poder sobre mim que desisto antes de começar. Ou pouco depois de ter dado os primeiros passos, como aconteceu com uma terrível quantidade de projetos criativos que deixei órfãos. Isso é um porre.

Acredito que ter crescido acostumado ao pensamento constante de que deveria ser uma pessoa perfeita para ser aceito tem bastante a ver com tudo isso. Mas o engraçado é que, ao meu ver infantil, ser perfeito era possuir a capacidade mágica de sempre agradar as pessoas, ser gentil, razoavelmente inteligente para ser respeitado por elas e jamais, jamais incomodá-las. Dessa forma eu nunca seria rejeitado, não haveria qualquer razão plausível para isso (mas aconteceu uma milhão de vezes, obviamente). Meu ponto é que nada disso foi algum dia sobre eu "realizar" nada, então pouco me questionei sobre meus sonhos ou como pretendia lutar por eles. Fui aprender que o poder e o dever para isso pertenciam unicamente a mim mesmo muito tempo depois.

Então, nessa noite de reflexão e pouco sono, em que começo escrevendo livremente e acabo deixando de lado todos os pensamentos legais anteriores para discutir uma coisa totalmente nova, me pego desejando ser diferente. Há coisas que aprendi e que fui esquecendo por não praticá-las - e que me fazem uma falta danada, percebo agora. Mais uma vez a indecisão me segura, pergunta aos meus ouvidos se não irei estragar o texto ao continuar escrevendo-o, ou deixá-lo demasiado triste, ou longo, ou num tom de auto piedade muito grande. Não estou nem aí, ao menos desse penhasco criativo eu sinto ter o direito de me jogar nesse momento. E não parar até chegar ao chão.

O que tem me feito falta nesses últimos dias são as minhas sessões de terapia. Não só porque elas me ajudaram um bocado, me fizeram me reinventar, ou melhor, me conhecer de verdade. É mais pelo fato de aquele psicólogo ser inteligente demais! E não aquele tipo chato de inteligência, que jorra sobre você como uma cachoeira incessante e cheia de informações que nem sempre lhe interessam. Não isso, mas uma inteligência sagaz, simples, segura de si, cheia de significados e com poucas palavras. Uma pergunta dele era o suficiente para me desarmar completamente e me fazer questionar coisas que nem sabia que existia. Ele ensinou tanta coisa legal, como o fato de haver em nós uma presença superior e inexplicável, quem somos de verdade, uma divindade infinita em nossa finitude.

Sei bem como isso pode soar, então me deixe explicar melhor: todos nós temos algo chamado "Ego" e a sua função é nos manter constantemente sob controle, moldar nossos desejos e sentimentos para que se encaixem em cada situação que enfrentamos. Ele é a máscara que utilizamos em nossa vida, pela qual tentamos convergir características que serão entendidas pelos outros como sendo "nós". O problema do Ego é que ele tem fortes tendências megalomaníacas e às vezes passa a acreditar que ele é, de fato, quem somos e nos fazem pensar a mesma coisa. Dessa forma, aquela pessoa que conseguimos construir, com tais defeitos, tais qualidades e tais objetivos para enfrentarmos o dia-a-dia, passa a dar as ordens.

Só que o Ego é frágil e costuma se despedaçar completamente ao ser colocado frente a uma situação incômoda e improvável. Quem nunca desejou morrer ou sumir por em algum momento não ter tido a força necessária para dar uma boa resposta merecida? Ou mudar o rumo da sua vida? Ou por não ter tentado viver aquele amor que tanto desejava? O Ego está imbuído de características fixas, forjado em dureza, portanto não pode ser flexível e se adaptar para nos ajudar a resolver todo tipo de problema. Ele não pode aplicar a coragem que acreditamos possuir para lidar com certos assuntos em toda e qualquer situação. E digo isso porque é em nossas fraquezas e medos que o Ego se desfaz. E o que sobra disso? O desespero. "Por que eu não consigo? O que há de errado comigo?", dentre outros pensamentos venenosos.

E onde entra a divindade que somos nisso tudo? Esse é um conceito que vem do hinduísmo, se não me engano, e é algo com que me identifiquei bastante.

Pausa para uma nova indecisão. Engraçado, parece que toda vez em que a cito é como se a olhasse como um pai olha para seu filho ao pegá-lo fazendo algo que não devia. E então ela se encolhe, oprimida pela minha reprovação. Menina má. Prosseguindo...

A "divindade" que habita em nós seria quem realmente somos em toda nossa essência: esse imenso oceano de sentimentos controversos e coexistentes, desejos e possibilidades infinitas. E ao entrarmos em contato com o mundo, numa certa ocasião, numa certa sociedade, com suas certas regras e que exija de nós um certo posicionamento, fazemos as águas desse oceano escoarem através de um complexo funil, que lhes dá a forma de "ação", nossa ação (ou reação).

Compreender que somos esse poço infinito em constante mudança nos ensina a sermos mais pacientes com nossos defeitos e remorsos, porque sabemos que por pior que as coisas possam estar, ainda somos nós mesmos, únicos e insubstituíveis, capazes de experienciar e interpretar o que ninguém mais pode. É como o ponto máximo da nossa honestidade com nós mesmos. E ao aceitarmos essa verdade, nos tornamos flexíveis e resistentes às constantes mortes pelas quais o Ego tem que passar. Porque é assim que as coisas são, ele surge apenas como faces que utilizamos em cada situação para interagirmos com o mundo nos sentindo bem naquele contexto. Então é plenamente normal que se desfaçam continuamente, pois nunca serão suficientes para lidarmos com tudo que nos acontece e nem podem evitar os problemas. Afinal eles são apenas pequenas partes de nós e a sua morte não nos torna menos presentes e reais, pois somos muito mais profundos e verdadeiros do que eles. E assim como acontece dentro de nós, devemos aceitar também o mundo que nos cerca, com todas as suas imperfeições e sofrimentos que simplesmente não podemos evitar.

Não acho que seja necessário nos ver exatamente como "divindades", claro, basta apenas entender que não há necessidade de sermos outra existência e nem viver com o medo constante da mudança e do sofrimento. O que me faz gostar mais dessa teoria, porém, são aqueles momentos em que sinto que estou sendo completamente eu mesmo. Não falo do fato de me sentir plenamente confortável em minha própria pele, o que também é maravilhoso e nem sempre possível. Mas alguém já sentiu aquela sensação engraçada como um arrepio, uma onda de choque poderosa e indescritível quando estamos "realizando" alguma coisa? Comigo aconteceu algumas vezes, uma quando dava um conselho realmente bom, outras enquanto compunha músicas que me escancaravam emocionalmente, outras cantando em sintonia perfeita com meus sentimentos, outras desenhando... Não foram tantas assim. Mas é um momento único em que você tem a sensação de que está fazendo exatamente o que deveria fazer, o que gosta de fazer e isso te deixa feliz. É como se houvesse uma inteligência muito superior agindo através de você naquele instante e que te faz perguntar depois “nossa, eu fiz isso mesmo?”. Não sei se consegui ser claro nessa descrição, mas é por ser realmente difícil de colocar em palavras. Só que, para mim, isso é um contato inegável com o meu verdadeiro eu, aquele eu que esse mundo vive tentando e consegue soterrar todos os dias. Talvez seja um momento do mais puro êxtase, ausência total de medo ou insegurança.

Infelizmente, esses raros choques divinos duram segundos apenas e logo volto ao mundo cheio de defeitos. Contudo, a sensação de realização não pode ser negada e foi justamente ela que me peguei desejando outro dia. Pensei "queria fazer alguma coisa de que realmente orgulhasse, que me fizesse me sentir útil e realizado". Talvez dessa forma pudesse estar cada vez mais próximo da minha "divindade" interior e, cada vez mais, trazê-la para minha vida de maneira consciente e verdadeira, livre do controle que o medo me faz querer exercer sobre tudo a meu redor. Assim, eu poderia não abrir mão da minha costumeira melancolia, mas aceitá-la como parte essencial de minha existência incompleta e vivê-la sabendo que serei feliz depois dela, porque quero ser feliz. Aceitar as dificuldades me dá o poder de contorná-las; aceitar meus medos, motivos para enfrentá-los. E assim por diante.

E é nesse horizonte que quero vislumbrar a minha vida, uma vida em que a ansiedade não me roube o foco e a já tão conhecida indecisão não tire de mim o sabor de lutar por meus sonhos.

domingo, 13 de maio de 2012

Mãe é Deus aos olhos da criança

Seja por serem nossa via de entrada na vida, seja por terem nos carregado no colo e perdido noites seguidas de sono para cuidar de nós, seja passarem a dedicar parte de tudo que fazem para nossa sobreviência e felicidade, existe um elo entre mães e filhos que vai além de qualquer explicação. É claro que há mães e mães, assim como há todo tipo diferente de gente. Talvez nem todas as mulheres estejam prontas para a responsabilidade que o papel traz, ou sequer interessadas em viver esse lado da vida. Outras, por forças do destino, se vêem cortadas do convívio com seus filhos, incapazes de lhes prover o amor que lhes seria natural. Mas a vida é assim mesmo, a sorte possui caminhos incertos de se manifestar na existência de cada um.

Mas de uma coisa eu estou certo: apenas uma outra pessoa nesse mundo tem a grande sorte de ter a mãe que eu tenho. Crescer envolve tantas experiências, grandes ou pequenas, mas que nos transformam continuamente. E é crescendo que aprendemos como devemos lidar com as situações,  as pessoas, o que é necessário destruir ou respeitar. E, para isso, voltamos nossos olhos para nossas casas, o lugar a que pertencemos primariamente, onde vivem aqueles que nos apresentam aos poucos o que é viver e que acabam por servir de modelos mais importantes para os seres humanos que nos tornamos no futuro.

E minha mãe, nisso tudo? O primeiro exemplo que aprendi com ela, acredito, foi o da honestidade. Viver uma vida dígna, ser uma pessoa honrada e não ver sentido em burlar regras apenas para me dar bem, porque posso conseguir tudo de que preciso tentando ser uma boa pessoa. Essa foi a primeira lição, sem dúvidas, e a partir dela outras foram se construíndo, conforme ela e eu íamos crescendo juntos. Algumas inseguranças eu não soube repartir ou colocar em palavras, mas no fundo eu sabia que ela as conhecia da mesma maneira muda que eu. E essa era minha casa, aqueles braços que me abraçavam eram meu verdadeiro lar. Não conheço amor mais profundo em mim, mais... verdadeiro, quase palpável, do que o que sinto por minha mãe.

Mas a história definitivamente não pára quando estamos adultos. Sinto que tive a oportunidade de ensinar muitas coisas a ela e quero continuar fazendo isso sempre, porque trocar experiências com uma mulher tão extraordinária não tem preço. A senhora pode fazer birra quando falo das outras mães, mas eu bem sei como é dividir uma pessoa tão incrível com tantos outros filhos, mesmo não tendo parentesco algum com eles. Porque é assim que você é. E, nossa, isso é realmente uma coisa que me faz te admirar cada vez mais: suas atitudes possuem uma base simples, um objetivo definido, uma trajetória direta e que partem de quem você realmente é, pura e simplesmente. Seu coração caridoso e forte já foi o abrigo para tantas almas perdidas que, quando olho para sua história, me pergunto se algum dia serei capaz de fazer metade do que a senhora já fez.

Uma mulher linda, radiante, inteligente, esperta, um tanto intrometida, mas comprometida com o que há de bom no mundo: é assim que te vejo, mãe. E sou muito grato por ter tido essa sorte imensa de ter saído de seu ventre, ser chamado de "filho" e ainda por cima acabar me tornando seu amigo. Te amo mais que tudo nesse mundo, Deus sabe, mesmo no meu jeito torto ou desajeitado de demonstrar às vezes.

"Mãe é Deus aos olhos da criança". Esse é o maior elogio que consigo fazer a você.

Feliz dia das mães! Desse seu filho, SEU filho, e de nenhuma outra mãe!

terça-feira, 10 de abril de 2012

Ação & Reação

É engraçado ver o impacto de minhas atitudes sobre as outras pessoas. Percebo a leitura que fazem de mim, às vezes uma próxima do que desejo, às vezes infinitamente distante da realidade. E é assim que vivemos nesse mundo, meio que mergulhados numa solução que a todo tempo propaga nossas escolhas como ondas, direcionadas ou não, mas que se transformam ao longo do caminho em consequências diversas e que se desenrolarão para todo o sempre. Assim, somos também consequências, talvez da primeira atitude tomada pela primeira pessoa quando ela decidiu que iria viver.

Às vezes sou o senhor de minhas ações e reações, estou em minha zona de conforto e consigo sentí-las com clareza, aproveitá-las sem temor, sejam elas boas ou ruins. Em outros momentos, contudo, me falta a segurança para aceitá-las e me sobra vontade de controlá-las, mesmo que num esforço inútil, pois elas são fruto do que há de mais natural e primitivo em mim. E, incapaz de me sentir a vontade ou até corajoso para conhecer as consequências delas, me retraio como faz um caramujo ao ser ameaçado, se expremendo para dentro da concha que carrega em suas costas.

Ontem fiz algo assim. Tive a oportunidade de aprender algo novo, conversar e me soltar, me colocar a prova e, quem sabe, conseguir os melhores resultados para aquele momento. Mas estraguei tudo quando entrei na minha casa das costas. Ali, todos os meus antigos medos e minhas dúvidas eternas me esperavam para me fazer companhia, enquanto aperto os olhos, incapaz de olhar para o que há lá fora.

A verdade é que nem todos os discursos do mundo me fizeram aprender ainda o que há de belo e verdadeiro dentro de mim, ou como aceitar tudo isso. As falhas criadas durante o meu crescimento se espalham como grandes cicatrizes que custam a se fechar, me fazendo duvidar de mim mesmo muito mais do que é considerado saudável. Sinto um ímpeto enorme de me encaixar, de satisfazer padrões, de ser mais "normal", mesmo que por um momento, para garantir que eu seja aceito e não vá ficar sozinho. Sempre tive essa necessidade imperiosa de ser perfeitamente agradável, sensível e estar atento para gerar as reações que eu desejava nas pessoas. Mas isso tudo, na prática, nunca funcionou nem um pouquinho. E, ainda assim, parece que é o único jeito que conheço de viver...

Queria conseguir me jogar desse penhasco de uma vez, ao invés de ficar sempre olhando da beirada, espreitando a felicidade alheia e me perguntando quando meu tempo vai chegar. Sou um poço de possibilidades infinitas e cheio de vontades, só que limitado por válvulas de auto-crítica que regulam com crueldade aonde meus flúidos irão percorrer. Quando me desligar disso serei uma pessoa mais feliz? Existe esse botão de "liga/desliga"? Alguém pode me mostrar onde aperto, por favor?

Uma vida estressante e vivida no limite - seja ele o da ação constante ou o da não mudança eterna - tende a gerar reações igualmente desmedidas, numa tentativa de romper com essa realidade contínua e opressora. A cadeia de eventos que segue a partir disso pode ser desastrosa... pode ser brilhante... pode ser qualquer coisa. Mas essa realidade ainda vive e irá se regenerar aos poucos, pois enquanto respiramos ela também respira através de nós. É impossível nos livrarmos desse fardo... e não são todos que conseguem vê-lo de uma maneira diferente.

Enfim... é só mais uma angústia dentre tantas, entrelaçada com todas as outras e formando o ser humano que vos digita, mesmo que para não mais ser lido por ninguém. Enquanto continuo estragando minhas chances e esperando que me esbofeteiem e me façam parar de ser idiota, continuo vivendo e, felizmente, aprendendo a me divertir com o que a vida me oferece, até mesmo com minhas próprias atitudes ridículas.

Porque somos todos ridículos, no final das contas. Uns mais, outros menos. Uns num padrão, outros fora dele. Uns confortáveis com a ridicularidade, outros enclausurados por ela. Mas todos, todos ridículos. Em um momento ou outro.

E quando penso que tudo vai mudar, vejo que me sentei pra descansar um pouco. E quando sento para descansar... É só pra assistir tudo caindo mais uma vez.

sábado, 24 de março de 2012

Angústia sem nome

Às vezes reclamo tanto, muito mais internamente que externamente, sobre como é ruim estar sozinho. Já em outros momentos sinto algum alívio por justamente não ter ninguém. Ou sinto que é assim que tem que ser mesmo. Ou sinto uma imensa injustiça, uma ironia, uma piada sem graça. E tento tirar alguma graça disso parar continuar sorrindo com sinceridade, como tem sido difícil de fazer.

Cada um de nós deve possuir uma sensação de mundo muito particular, mesmo que por vezes estejamos acostumados a colocá-la para fora por palavras já usadas por outros (ou assim deve ser, não sei de verdade porque só conheço as minhas sensações de verdade). E existem aqueles momentos de minha vida em que não vejo sentido... em nada. Não é só pelo mundo e pelas pessoas em que nele habitam me frustrarem constantemente, até porque muitas delas fazem exatamente o contrário em minha vida e acabam virando força para eu ir adiante - seja lá para onde for. Só que... em alguns momentos fico tentando entender o que raios é essa minha existência, num esforço inútil e infrutífero. Uma coisa tão vã, tão dispensável para qualquer um que não seja eu mesmo, pois cada um de nós tem sua própria vida.

Mas... mas... me sinto tão vazio. Oco. Uma rachadura provocada por dúvidas incessantes que me perseguem desde que aprendi a respirar. E agora gasto minhas palavras tentando, talvez, fazer algum sentido para mim mesmo, só que incapaz de dizer até onde elas irão me levar. Porque há algo de primitivo que me falta, bem lá no fundo, onde talvez deva existir uma peça em cada ser humano. E enquanto os dias passam, vou calando minha inquietação com experiências cotidianas que servem para manter a minha sanidade e tentam impedir que eu afunde em pura angústia sem nome.

Essa angústia sem nome poderá ser chamada de solidão? E essa solidão não é fruto de minhas escolhas? Governo sobre mim mesmo e faço um péssimo trabalho no comando, permitindo o que não deveria e afastando o que mais procuro. E, quando tento divisar um futuro provável para mim, enxergo um terreno desolado, onde as flores já não germinam mais pela falta da emoção que é a água para a sua sobrevivência.

Incapaz de respirar livremente, aperto o nó que me sufoca. E continuo esperando pelo milagre sobre duas pernas que irá mudar a minha vida.

Porque sozinho...

terça-feira, 13 de março de 2012

Sob a sombra de um elefante

Hoje eu subiria a mais alta das montas apenas para gritar até não haver mais ar em meus pulmões - como isso me faria bem! Meus olhos ardem e pesam três quilos cada um, ou até mais. Minha cabeça... não sei o que há com minha cabeça, ou com meus sentimentos. Em um momento estou bastante contente e no outro sou um poço de escuridão impenetrável. Sei que tudo muda o tempo todo e cada experiência se reflete em meu comportamento e meu humor de alguma maneira, sendo ela ínfima ou grandiosa. Mas há alguma coisa me sufocando, me devorando de dentro para fora, me sugando as forças quando não há mais ninguém por perto...

Dentro de nós moram sombras perversas e cheias de artimanhas. Uns aprendem a domá-las desde cedo ou a até utilizá-las a seu favor, mas há aqueles que, como eu, já sucumbiram a elas há muito tempo. Já não sei se é por pensar demais, ou esperar demais, ou desejar demais por coisas que não acontecem em minha vida, mas minha sombra está maior que um elefante e sentada bem sobre minha cabeça agora. Ela nem sempre está lá, no entanto; ao lado de meus amigos, compartilhando todo tipo de besteiras com eles, sinto que ela vai se dissolvendo aos poucos, dando espaço aos sentimentos que realmente importam.

E então volto para casa, contente e satisfeito, desejando que essa emoção dure. Mas não dura, as coisas não são assim. Eu já aprendi a aceitar essa mudança natural e contínua de tudo que existe, especialmente aquelas transformações que acontecem dentro de mim feito pequenas explosões repentinas. Mas... não sei. Às vezes sou tão triste, tão chato, tão fraco que pareço assumir a forma de um buraco negro que vai sugando tudo ao seu redor. Todos temos nossos momentos assim, eu sei. Eu sei...

Só é um saco. Será que sou eu que escolho estar triste todo dia? Será que gosto de alimentar isso até que alguém apareça e me faça mudar de idéia? Será que ainda estou colocando sobre os outros uma responsabilidade que é minha? Se somos existências solitárias por natureza, minha solidão tem sido minha maior companheira, talvez por eu já não saber ou querer colocar em palavras o que se passa aqui dentro de mim. E, enquanto permaneço nesse estado, os dias vão passando e me deixando para trás, fadado a me alimentar de pequenas alegrias para continuar respirando, lúcido.

É... mas transformar em palavras realmente ajuda. Sinto que a cada momento tenho que cair para que eu seja capaz de compreender alguma coisa muito maior sobre minha vida e como levá-la adiante. Talvez seja o momento para eu lidar com essa tal sombra do tamanho de um elefante. Antes que ela devore minha luz.

"The enemy lives inside myself, yeah, I know"

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Perdendo a cabeça (?)

Mais um sonho maluco para registrar. Acho que vou acabar fazendo bastante disso se eles continuarem acontecendo como estão e esse blog vai crescer magicamente, porque do jeito que a coisa anda... XD Geralmente escrevo de uma maneira mais polida aqui, sem usar meus emoticons de costume, mas hoje deixarei passar, serão necessários. Porque um emoticon traduz muito bem a natureza desse último sonho:

@__________@

Para quem entende, leu "LOUCURA" aí, ou algo do tipo. E foi exatamente isso que experimentei no sonho, como é perder a minha sanidade. Sem mais delongas, vamos a ele.

***

De fato, é terrível a gente não ter noção que está sonhando e viver aquilo tudo como se fosse realidade. Tudo seria muito mais fácil para mim se eu simplesmente pudesse dizer "ah, isso é um sonho" e resolver as coisas da forma como quisesse, mas eu não consigo fazer isso. Esse começou comigo vivendo numa cidade em que nunca estive, onde eu estudava com alguns primos meus e até amigos de infância em um colégio. A sala de aula parecia uma daquelas de colégio interno, com mesas claras e um papel de parede azul meio bebê, algo assim. Eu tinha memórias daquele lugar e daquelas pessoas, só que havia alguma coisa de errado com tudo aquilo. A gente tinha feito uma prova e a professora estava distribuindo para que cada um visse seus resultados. Fui o único a tirar dez (era mesmo sonho?!) e, por isso, ela pediu que eu ficasse para conversar com ela enquanto o resto da turma ia embora.

Uma prima minha, com quem estudei durante a minha vida escolar toda, me disse "você encontra com a gente depois naquele lugar!" e foi-se com os outros. Eu sabia de que lugar estavam falando, era uma espécie de venda onde a gente costumava se encontrar naquele mundo... tinha uns pufes enormes onde a gente podia sentar. Mas, ao mesmo tempo, parte de meu cérebro me dizia que eu não conhecia aquilo de verdade. Aquelas pessoas, aquele contexto... estava tudo errado. Eu não PERTENCIA àquele contexto, tinha uma certeza plena disso, porque havia memórias muito mais reais de outra vida em mim, da minha vida real e das companhias que eu costumava ter. Onde todo mundo tinha ido parar? O que estava acontecendo?

Aproveitei que tinha ficado sozinho na sala para sair do colégio escondido, porque precisava me situar de alguma forma. Um traço marcante desse sonho foi a clareza de alguns cenários para mim. Os chamo de "cenários" porque era o que pareciam mesmo, muito bem feitos e detalhados para soarem como os lugares normais que costumamos frequentar no cotidiano. O fundo do colégio me lembrava uma mansão vitoriana muito velha e cheia de arbustos. Eu havia saído de lá e... aí veio uma interrupção brusca do sonho. Não sei se acordei e voltei a dormir, mas sei que, quando me dei conta, já estava em outro lugar.

Não sabia exatamente onde era, mas sabia do que se tratava: era uma espécie de asilo. Eu sabia porque haviam me colocado ali, era um lugar para pessoas loucas, onde elas eram deixadas e esquecidas. E aquele desespero que havia nascido na sala de aula agora estava muito pior. Por algum motivo, estavam tentando me enganar ou me fazer enlouquecer, mudando tudo na minha vida de vez e agindo como se eu estivesse estranho. Não estava louco, não podia estar. Apenas queria voltar para a minha vida e fazer com que todo mundo parasse me tentar me convencer de que estava perdendo a sanidade. Sentia isso, mas não sabia o que fazer ou para onde ir. E assim esperei as pessoas saírem (não sei quem se tratavam e nem para onde foram, mas acho que eram enfermeiros) para tentar me esgueirar para fora mais uma vez. Conforme ia andando pela casa, o medo se tornava maior, porque era um ambiente tão carregado, cheio de quadros de velhos que pareciam ficar observando meus passos. Lembro vagamente de uma mesa de jantar de madeira antiga, de um corredor estreito por onde passei quase correndo até chegar numa sala enorme e toda vermelha. 

Na verdade, havia duas janelas cobertas com cortinas muito vermelhas e que lançavam a luz avermelhada sobre o cômodo todo. Havia vários sofás com estampas diferentes, arrumados como se fossem para causar uma impressão de sala de visitas. E, sobre os móveis e no tapete estava inúmeros gatos sentados ou deitados e todos pararam para olhar pra mim no exato instante em que apareci. Mas não lhes dei mais atenção do que o necessário, saí correndo pela porta e direto para uma rua que nunca tinha visto. Era larga, feita de pedra mesmo, e pra minha esquerda havia um teatro enorme e amarelo, desses que a gente vê em filmes americanos. Tentei correr em direção a ele, buscando alguém na rua, mas me faltavam forças... eu não sei o que havia de errado, mas conforme meu desespero aumentava, eu me sentia cada vez mais fraco, a ponto de me arrastar quase de quatro pelo passeio enquanto murmurava, pedindo ajuda.

As pessoas começaram a aparecer, mas quase todas desviavam de mim, com medo. Uma mulher tentou me dar dinheiro, como se eu fosse um mendigo, mas foi embora logo em seguida. Eles não pareciam capazes de me ouvir, de me dar qualquer atenção. E eu sabia que minha situação não ajudava em nada, só poderia fazê-los pensar num maluco necessitado no meio da rua mesmo, alguém que até mesmo eu evitaria. É horrível a sensação de que você está tentando fazer algum sentido, mas não consegue. Você se sente terrivelmente impotente... é de enlouquecer. De fato, parecia que estava realmente ficando louco, porque continuei me arrastando até perto de uma esquina, passando por cima de uma lama grudenta sem nem me importar e ainda tentando gritar por ajuda.

Foi quando houve uma segunda interrupção. Lembro de alguns vultos, de outras salas passando que como raios por mim, de eu tentando alcançar algum lugar que não sabia onde era, ou simplesmente repetindo para mim mesmo que eu deveria me controlar, mas incapaz de conter meus pensamentos. Eu estava mesmo ficando louco, não conseguia confiar nas minhas próprias ações, essa era a sensação que eu tinha. De que isso não iria passar nunca mais, de que não voltaria a ver as pessoas de que gosto, porque minha mente agora interpretaria tudo errado e eu estava preso dentro dela, sem ter como gritar ou fazer aquele turbilhão parar. Pareciam rios e rios de informações e emoções perdidas jorrando sem qualquer controle, assumindo as formas que mais lhe convinham e pouco se importando com as consequências disso. E só me restava me afogar nisso tudo. Era quase como estar com a mente presa dentro de um corpo totalmente estranho e alheio, incapaz de controlá-lo.

Na última parte do sonho me vi numa enfermaria também com cortinas vermelhas, só que dessa vez cobrindo até mesmo as paredes. Estava deitado numa cama com uma máquina na minha cara, talvez para me fazer respirar alguma medicação para me conter e me acalmar... e ao meu lado tinha um homem que lembrava muito meu pai mais jovem, quem eu reconhecia como um tio naquele momento. Ele estava com uma expressão cética, quase de desinteresse, enquanto uma menina muito estranha, com roupa de enfermeira e uma cara meio psicopata lia meu diagnóstico. Ela disse "ele tem uma pedra na vesícula, isso provoca dores fortes e delírios". Nesse momento, voltei a sentir desespero, porque finalmente haveria algo a culpar pela minha insanidade, talvez até uma forma de me curar dela e poder voltar para minha vida normal. Não acho que na vida real uma pedra na vesícula provocaria tudo isso, achei muito estranho ela dizer logo isso dentre tantas coisas, mas era um sonho maluco mesmo.

E então acordei. Olhei pro meu teto e respirei fundo. Nossa... como estava aliviado. Se em algum momento eu pudesse ter compreendido que ERA um sonho tudo teria sido muito diferente. Mas a sensação que tive ao acordar foi a de que havia finalmente conseguido voltar à minha vida, como se tudo tivesse acontecido mesmo. E, bem, pra mim meio que aconteceu, mesmo que só dentro de minha cabeça, porque foi muito real.

Bem, era o que eu queria mesmo, deixar o sonho registrado. Mais um, né. Do anterior eu consegui extrair alguma lição importante e uma experiências também (agora digo que "sei como é estar morto"), mas morrer num sonho não é nem de perto tão perturbador quanto perder a sanidade. Não poder mais confiar em si mesmo, no que você interpreta, no que você diz e muito menos em qualquer outra pessoa... nossa, foi uma das piores sensações que experimentei.

Não desejo isso pra ninguém. E muito menos vir a sentir isso de novo.

Mas é, com sonhos assim, fica até difícil convencer alguém de que sou uma pessoa normal.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

Paixão prometida

Queria muito me apaixonar um dia
Queria encontrar na vida aquela pessoa
para quem eu entregaria meu coração,
meus sonhos e meus desejos

Queria encontrar os braços
onde poderia me aconchegar
E os olhos que me observariam com cuidado
e retribuiriam meu sorriso com um brilho de amor

Anos e anos se passaram
e o que encontrei, deixei passar
O que encontrei, não quis guardar
O que encontrei, deixei me magoar

Mas continuei desejando
e esperando me apaixonar

E, numa noite de profundo silêncio,
deitado, em silêncio, em minha cama,
abri meus olhos para minha vida
e para a paixão que tanto vivi a esperar

O que esperei, me mudou
O que esperei, me ensinou
Mas isso não era tudo que existia
para me fazer uma pessoa feliz

Agora, já queria encontrar algo mais
Aquela fagulha, aquela vontade
Aquela paixão que cresce e arde
de criar, de transformar a realidade

Quero me apaixonar um dia
pelo que escorre de minhas veias
para o mundo ao meu redor

Quero me apaixonar um dia
e transformar a minha vida
numa existência mais útil e melhor

Palavras foram ditas no passado
E gestos se perderam no vazio
Mas agora sei do amor que vem de dentro
e que pouco depende do que está alheio a mim

Quero me apaixonar um dia
por um lindo e grandioso sonho
Quero me apaixonar a tal ponto
de recriá-lo com minhas próprias mãos

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Uma visita ao outro lado (?)

 Tive um sonho muito estranho essa noite e que me deixou com uma forte impressão. Meus últimos sonhos tem sido bastante inquietantes, sempre com situações desconfortáveis nas quais tenho que me virar de alguma maneira, mesmo sem conseguir resolvê-las. E, como não consigo controlar meus sonhos como muitas pessoas conseguem, acabo vivendo-os enquanto durmo como se fossem mesmo uma realidade paralela. De uns nem me lembro quando acordo, mas de outros...

Fui me deitar e, de repente, me peguei pensando sobre alguns parentes meus que já se foram. Não eram pessoas próximas a mim e meu sofrimento pela partida deles acabou se dando mais por ver outras pessoas que amo sofrendo por eles. Comecei a divagar sobre como eles estariam e desejei, do fundo do meu coração, que estivessem bem. Talvez por isso esse meu sonho tenha falado de morte. Eu já tinha sonhado sobre esse tema antes e tinha sido terrível, também me deixou bastante abalado, pois nele uma pessoa muito importante pra mim havia morrido e eu precisei lembrar de que aquilo era um sonho quando acordei muito triste. Mas dessa vez a mensagem era muito diferente e, para recordá-la para mim mesmo, decidi escrevê-la aqui de uma maneira que me faça lembrar dele como o vi.

***

Havia uma bela moça. Seus cabelos castanhos faziam voltinhas, presos num penteado elegante e caindo sobre seus ombros. Trajava um vestido de um azul celeste, bonito e respeitável, com uma blusa branca cobrindo seus braços. Tinha um temperamento forte e uma personalidade irritante, gostava de jogar seus problemas sobre os outros. Eu sabia disso, porque... ela era eu. E eu era ela. Era normal para mim assumir o papel de outras pessoas em meu sonho, então até aí não havia nada de muito estranho.

Mas ela (ou eu) olhava ao redor, para o casarão branco que se estendia em frente ao gramado verde e fofo, onde cavalos pastavam tranquilamente, e não conseguia processar com precisão a pergunta: "onde estou?". Porque, em parte, aquele lugar era conhecido, mesmo não sendo. Seria uma mansão de uma família rica, sua família rica? Seria um museu? Parecia ser muitas coisas e muitos lugares ao mesmo tempo, mas ela conseguia se sentir em casa ali. De fato, quando paro para me lembrar da sensação que aquele lugar me dava era de que não se tratava de um lugar do passado, nem do presente ou do futuro. Ele estava em outro tempo, independente desses outros três.

Um dos cavaleiros, homem que a moça identificou como um de seus empregados, trocou algumas palavras com ela. Lembro-me das palavras dele, dizendo que "ela jamais mudaria, essa moça seria assim para sempre a partir de agora". Isso não fazia sentido, mas fazia ao mesmo tempo. Ela continuaria a mesma porque não haveria mais nada que ser mudado naquele lugar. Só que ela ainda não compreendia...

E foi quando o sonho mudou completamente. Eu já era eu mesmo. Estava dentro de um carro em minha cidade natal, dirigindo numa rua pouco movimentada e onde minha avó vive até hoje. Sabia que não tinha experiência para dirigir sozinho, sabia que não deveria estar fazendo aquilo, mas já era tarde. Tudo aconteceu muito depressa: o carro subiu no passeio, foi de encontro ao poste e... eu já não estava mais lá.

Acordei num lugar desconhecido e também familiar. Não "acordei" exatamente, apenas me vi lá, de pé, incapaz de sentir qualquer coisa por alguns momentos. Havia um muro que me lembrava muito da casa onde cresci e, nele, um buraco parecia se abrir pra ruas cheias de arbustos e casas que eu não conhecia. Então veio a sensação mais forte do sonho: eu havia morrido. Sentia uma culpa enorme por ter deixado aquilo acontecer comigo, imaginando como as pessoas haviam reagido ao saber do acidente ou se elas sequer souberam sobre ele. Pensei sobre minha mãe, acima de qualquer outra pessoa, e me peguei desejando poder falar com ela.

Mas eu não podia mais. Sabia disso. Não os sentia mais por perto, como parte de mim. Eu estava longe, para sempre longe, e me doía pensar na dor que estariam sentindo. Só me restava aceitar essa grande verdade absoluta sobre a minha existência, seja lá o que ela tivesse virado depois daquilo. Eu ainda era eu, apesar de tudo. E o que eu poderia fazer a partir daquele momento?


Sabia de uma maneira natural que meus desejos e sentimentos possuíam algum efeito direto sobre aquele mundo e eu precisava aprender a pensar positivo, ou criaria problemas para mim e para todos. Não sabia quem eram os outros, nem os vi ou me comuniquei com eles, mas os sentia lá e eles também me sentiam. Mais tarde teríamos a chance de falar.

E então o sonho se tornou ainda mais estranho, quando tentei atravessar o buraco no muro e acabei saindo nas ruas que não conhecia, longas avenidas circundadas por arbustos muito verdes e que levavam para alguma espécie de complexo de moradia, com prédios destruídos. Eu sabia que não deveria estar ali, as presenças lá fora não eram as mesmas que as do outro lado do muro e eu precisava fugir imediatamente, porque eles também sabiam sobre mim agora e queriam me capturar.

Isso se juntou à série de metáforas que poderiam me fazer concluir que fiz uma grande jornada astral pelo outro mundo, ou apenas interpretei várias informações sobre a morte que já ouvi falar em minha vida. Sonhos são mesmo assim, afinal, confusos e cheios de reviravoltas. Não lembro de ter sido capturado ou de ter escapado mesmo... mas, ao final do sonho, eu parecia ter voltado ao começo dele.

Eu era a moça de azul mais uma vez, ainda no mesmo casarão, olhando para o mesmo gramado cheio de cavalos. Mas aquela sensação de compreensão sem palavras, de aceitação de minha situação sem remédio... aquilo havia me transformado. Ela já não era a mesma e agora ela compreendia: ela nunca iria mudar, porque seu tempo havia acabado. Ela estava morta e não havia nada que pudesse fazer para reverter isso, poderia apenas aprender a lidar com isso para voltar se sentir bem. E assim ela respirou fundo, com os olhos fechados. E aceitou. E foi caminhando sob o sol, para lugar nenhum que ela pudesse conhecer, mesmo estando "em casa" agora.

E o cavaleiro repetiu as suas palavras amargas sobre a moça: "ela nunca vai mudar, continua sendo a mesma". Mas ela havia mudado.

***

Acordei com essa sensação de aceitação, pensando em meus amigos, em minha família. Pensando em minha mãe. Demorei para lembrar de que o acidente nunca havia ocorrido, eu não havia morrido. Me levantei e comecei o meu dia.

Pode ser que não, mas sinto que meus sonhos vem tentando me ensinar alguma coisa de maneiras duras e que me marquem de alguma forma. Me causando uma dor que trago direto para a realidade como se realmente tivesse acontecido, eles me fazem pensar sobre como tenho levado a minha vida e o que tenho deixado de fazer. E esse sonho, mesmo com as metáforas sobre morte e existência, me disse uma coisa importante: aceitar. Aceitar minha falta de controle sobre o mundo ao meu redor e aceitar que, em vários momentos, posso apenas abraçar meus sentimentos e desejar que as coisas se resolvam, mesmo sendo incapaz de evitar me sentir mal ou provocar isso sobre os outros. Porque sou apenas uma existência volátil e cheia de ramificações... Mas que quer aprender a aceitar a incapacidade de mudar tudo ao meu redor, para poder viver mais livremente.

Talvez essa postagem não venha a fazer muito sentido, afinal de contas a mensagem do sonho foi dirigida a mim mesmo, se é que ela existe. Como disse, há sonhos que prefiro não esquecer pela sensação que me provocam e agora sinto que consegui registrá-lo com mais clareza. É o que importa.

Nada mudou com isso, na verdade. Mas essa sensação de aceitação é algo que quero levar comigo e aplicar em minha vida quando achar necessário.