Venho escrever para mim mesmo e já me deparo duas sérias
características que tendem a me fazer querer jogar tudo para cima: a ansiedade
e a indecisão. A primeira me ataca com um milhão de ideias legais que
provavelmente tentarei escrever aqui, só que com a vontade de cuspí-las todas
ao mesmo tempo; a segunda vai ainda além, ao ponto de me congelar completamente
com a dúvida "como devo começar isso?".
Sendo um ser perfeccionista, visualizo previamente toda a
grandeza potencial no que decido fazer e espero criar algo que esteja
plenamente de acordo com ela, nada menos. O problema das coisas perfeitas,
porém, além de sua virtual inexistência, está no fato de já serem concebidas
prontas, suficientes. Se é assim, como raios vou começar uma coisa, trabalhar
nela até eliminar todos seus buracos de imperfeições e deixá-la perfeita?
Entender que esse caminho simplesmente não existe é um dos meus maiores
desafios, porque essa mesma dúvida funciona como uma pedra gigante repousada
logo no início de qualquer estrada que resolvo tomar para realizar alguma
coisa.
Tenho medo de começar novos jogos, veja só. Minha constante
preocupação em absorver toda e cada informação que eles me passam muitas vezes
transformou momentos que deveriam ser bons em fadiga extrema e desatenção. Quero
terminá-los com uma medalha de ouro, e os mais marcantes e divertidos são
aqueles em que resolvo simplesmente deixar isso de lado para aproveitá-los como
puder, sem exigências. Falo disso porque esse é um comportamento obsessivo que
repito em todos os aspectos de minha vida. E não falo de lutar com unhas e
dentes para fazer algo perfeito, o que talvez viesse a ser até uma atitude
louvável. Falo de me assustar com a realidade de que jamais serei capaz de
realizar algo assim e deixar essa verdade exercer tamanho poder sobre mim que
desisto antes de começar. Ou pouco depois de ter dado os primeiros passos, como
aconteceu com uma terrível quantidade de projetos criativos que deixei órfãos.
Isso é um porre.
Acredito que ter crescido acostumado ao pensamento constante
de que deveria ser uma pessoa perfeita para ser aceito tem bastante a ver com
tudo isso. Mas o engraçado é que, ao meu ver infantil, ser perfeito era possuir
a capacidade mágica de sempre agradar as pessoas, ser gentil, razoavelmente
inteligente para ser respeitado por elas e jamais, jamais incomodá-las. Dessa
forma eu nunca seria rejeitado, não haveria qualquer razão plausível para isso
(mas aconteceu uma milhão de vezes, obviamente). Meu ponto é que nada disso foi
algum dia sobre eu "realizar" nada, então pouco me questionei sobre
meus sonhos ou como pretendia lutar por eles. Fui aprender que o poder e o
dever para isso pertenciam unicamente a mim mesmo muito tempo depois.
Então, nessa noite de reflexão e pouco sono, em que começo
escrevendo livremente e acabo deixando de lado todos os pensamentos legais
anteriores para discutir uma coisa totalmente nova, me pego desejando ser
diferente. Há coisas que aprendi e que fui esquecendo por não praticá-las - e
que me fazem uma falta danada, percebo agora. Mais uma vez a indecisão me
segura, pergunta aos meus ouvidos se não irei estragar o texto ao continuar
escrevendo-o, ou deixá-lo demasiado triste, ou longo, ou num tom de auto
piedade muito grande. Não estou nem aí, ao menos desse penhasco criativo eu sinto
ter o direito de me jogar nesse momento. E não parar até chegar ao chão.
O que tem me feito falta nesses últimos dias são as minhas
sessões de terapia. Não só porque elas me ajudaram um bocado, me fizeram me
reinventar, ou melhor, me conhecer de verdade. É mais pelo fato de aquele
psicólogo ser inteligente demais! E não aquele tipo chato de inteligência, que jorra sobre você como uma cachoeira incessante e cheia de informações que nem
sempre lhe interessam. Não isso, mas uma inteligência sagaz, simples, segura de
si, cheia de significados e com poucas palavras. Uma pergunta dele era o
suficiente para me desarmar completamente e me fazer questionar coisas que nem
sabia que existia. Ele ensinou tanta coisa legal, como o fato de haver em nós
uma presença superior e inexplicável, quem somos de verdade, uma divindade
infinita em nossa finitude.
Sei bem como isso pode soar, então me deixe explicar melhor:
todos nós temos algo chamado "Ego" e a sua função é nos manter
constantemente sob controle, moldar nossos desejos e sentimentos para que se
encaixem em cada situação que enfrentamos. Ele é a máscara que utilizamos em
nossa vida, pela qual tentamos convergir características que serão entendidas
pelos outros como sendo "nós". O problema do Ego é que ele tem fortes
tendências megalomaníacas e às vezes passa a acreditar que ele é, de fato, quem
somos e nos fazem pensar a mesma coisa. Dessa forma, aquela pessoa que
conseguimos construir, com tais defeitos, tais qualidades e tais objetivos para
enfrentarmos o dia-a-dia, passa a dar as ordens.
Só que o Ego é frágil e costuma se despedaçar completamente
ao ser colocado frente a uma situação incômoda e improvável. Quem nunca desejou
morrer ou sumir por em algum momento não ter tido a força necessária para dar
uma boa resposta merecida? Ou mudar o rumo da sua vida? Ou por não ter tentado
viver aquele amor que tanto desejava? O Ego está imbuído de características
fixas, forjado em dureza, portanto não pode ser flexível e se adaptar para nos
ajudar a resolver todo tipo de problema. Ele não pode aplicar a coragem que
acreditamos possuir para lidar com certos assuntos em toda e qualquer situação.
E digo isso porque é em nossas fraquezas e medos que o Ego se desfaz. E o que
sobra disso? O desespero. "Por que eu não consigo? O que há de errado
comigo?", dentre outros pensamentos venenosos.
E onde entra a divindade que somos nisso tudo? Esse é um
conceito que vem do hinduísmo, se não me engano, e é algo com que me
identifiquei bastante.
Pausa para uma nova
indecisão. Engraçado, parece que toda vez em que a cito é como se a olhasse
como um pai olha para seu filho ao pegá-lo fazendo algo que não devia. E então
ela se encolhe, oprimida pela minha reprovação. Menina má. Prosseguindo...
A "divindade" que habita em nós seria quem
realmente somos em toda nossa essência: esse imenso oceano de sentimentos
controversos e coexistentes, desejos e possibilidades infinitas. E ao entrarmos
em contato com o mundo, numa certa ocasião, numa certa sociedade, com suas
certas regras e que exija de nós um certo posicionamento, fazemos as águas
desse oceano escoarem através de um complexo funil, que lhes dá a forma de
"ação", nossa ação (ou reação).
Compreender que somos esse poço infinito em constante
mudança nos ensina a sermos mais pacientes com nossos defeitos e remorsos,
porque sabemos que por pior que as coisas possam estar, ainda somos nós mesmos,
únicos e insubstituíveis, capazes de experienciar e interpretar o que ninguém
mais pode. É como o ponto máximo da nossa honestidade com nós mesmos. E ao
aceitarmos essa verdade, nos tornamos flexíveis e resistentes às constantes
mortes pelas quais o Ego tem que passar. Porque é assim que as coisas são, ele
surge apenas como faces que utilizamos em cada situação para interagirmos com o
mundo nos sentindo bem naquele contexto. Então é plenamente normal que se
desfaçam continuamente, pois nunca serão suficientes para lidarmos com tudo que
nos acontece e nem podem evitar os problemas. Afinal eles são apenas pequenas
partes de nós e a sua morte não nos torna menos presentes e reais, pois somos
muito mais profundos e verdadeiros do que eles. E assim como acontece dentro de
nós, devemos aceitar também o mundo que nos cerca, com todas as suas
imperfeições e sofrimentos que simplesmente não podemos evitar.
Não acho que seja necessário nos ver exatamente como
"divindades", claro, basta apenas entender que não há necessidade de sermos
outra existência e nem viver com o medo constante da mudança e do sofrimento. O que me faz gostar mais
dessa teoria, porém, são aqueles momentos em que sinto que estou sendo completamente eu mesmo. Não falo do fato de me sentir
plenamente confortável em minha própria pele, o que também é maravilhoso e nem
sempre possível. Mas alguém já sentiu aquela sensação engraçada como um
arrepio, uma onda de choque poderosa e indescritível quando estamos
"realizando" alguma coisa? Comigo aconteceu algumas vezes, uma quando
dava um conselho realmente bom, outras enquanto compunha músicas que me escancaravam
emocionalmente, outras cantando em sintonia perfeita com meus sentimentos,
outras desenhando... Não foram tantas assim. Mas é um momento único em que você
tem a sensação de que está fazendo exatamente o que deveria fazer, o que gosta
de fazer e isso te deixa feliz. É como se houvesse uma inteligência muito
superior agindo através de você naquele instante e que te faz perguntar depois
“nossa, eu fiz isso mesmo?”. Não sei se consegui ser claro nessa descrição, mas
é por ser realmente difícil de colocar em palavras. Só que, para mim, isso é um
contato inegável com o meu verdadeiro eu, aquele eu que esse mundo vive
tentando e consegue soterrar todos os dias. Talvez seja um momento do mais puro
êxtase, ausência total de medo ou insegurança.
Infelizmente, esses raros choques divinos duram segundos
apenas e logo volto ao mundo cheio de defeitos. Contudo, a sensação de
realização não pode ser negada e foi justamente ela que me peguei desejando
outro dia. Pensei "queria fazer alguma coisa de que realmente orgulhasse,
que me fizesse me sentir útil e realizado". Talvez dessa forma pudesse estar
cada vez mais próximo da minha "divindade" interior e, cada vez mais,
trazê-la para minha vida de maneira consciente e verdadeira, livre do controle
que o medo me faz querer exercer sobre tudo a meu redor. Assim, eu poderia não
abrir mão da minha costumeira melancolia, mas aceitá-la como parte essencial de
minha existência incompleta e vivê-la sabendo que serei feliz depois dela,
porque quero ser feliz. Aceitar as dificuldades me dá o poder de contorná-las;
aceitar meus medos, motivos para enfrentá-los. E assim por diante.
E é nesse horizonte que quero vislumbrar a minha vida, uma
vida em que a ansiedade não me roube o foco e a já tão conhecida indecisão não
tire de mim o sabor de lutar por meus sonhos.